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Intensamente insana

  • Natália Albuquerque
  • 23 de abr. de 2016
  • 3 min de leitura

Era só mais um dia comum de trabalho no mercadinho do Sr. João, o tempo estava bem de boa e até parecia que ia chover para minha felicidade já que não queria ir para a escola a noite.

Meu único serviço no mercado era atender telefonemas e ficar no caixa. Naquele dia o movimento estava grande e o telefone não parava de tocar, a cada 5 minutos um cliente me chamava para pedir informações ou preços dos produtos, afinal a maioria dos clientes do Sr. João eram idosos, e como minha mãe já havia me ensinado aos 5 anos: "nunca deixe ninguém passar apuros, sempre ajude quem precisa, você nasceu pra isso".

Ás 14:30 o Sr. João entrou na loja e pediu para que eu ficasse até as 18:00 porque ele precisará ir ao médico pegar um exame que já estava pronto. Na mesma hora aceitei e falei que ele podia ir tranqüilo, não estava totalmente satisfeita afinal eu precisava estudar para as provas finais da escola, mas fiquei.

O dia seguiu normalmente como os outros, um pouco mais agitado, mas nada tão cansativo. As 17:40 eu já comecei a guardar as notas maiores do caixa e a desligar as luzes dos banheiros. Estava animada, o Sr. Japa provavelmente iria me dar uns trocados por ter ficado no mercado até mais tarde.

As 18:00 fechei o mercado e sentei na calçada, peguei o celular e o fone, coloquei uma música para o tempo passar e esperei o Sr. João chegar. Ele chegou as 18:25, já me deu um sorriso do outro lado da rua e acenou para que eu fosse até ele, chegando lá ele me agradeceu e pediu as chaves, eu entreguei e fiquei a espera dos meus trocados, ele me agradeceu novamente como forma de despedida e saiu andando. Naquele momento a raiva me consumiu e eu gritei no meio da rua para ele e todas as pessoas ouvirem:

− Você não vai mesmo me pagar pelas horas que eu perdi aqui no mercado ?

Ele olhou para trás já com a cara fechada e não acreditando que eu estava falando com ele naquele tom, eu franzi as sobrancelhas e disse "se você não me pagar você vai se ver comigo", ele me olhou fiscalmente e disse que ele iria me ligar assim que chegasse em casa.

Ao chegar em casa a ficha e o arrependimento já haviam chegado e eu já estava desesperada. Claro que eu perderia o meu emprego, nunca mais iria arrumar um emprego, deveria respeitar mais os mais velhos.

Ao contar o que aconteceu para minha mãe ela ficou chocada e me deu alguns conselhos que nada me ajudaram na hora. Estava ansiosa para que o Sr. João ligasse logo, eu iria pedir desculpas e prometer nunca mais fazer aquilo outra vez. Ele ligou, pedi desculpas, depois de várias horas no telefone me dando conselhos e falando o quanto eu precisava entender melhor os adultos ele me desculpou e disse que o emprego ainda era meu.

Sempre fui uma menina boa, apensar de não gostar muito de ordens e que alguém mande em mim, gosto de ajudar. Faço parte de um grupo de ajuda as crianças com AIDS da minha cidade, adoro ir lá e levar alegria e sorrisos para aquelas crianças, mas também gosto de beber e me divertir aos finais de semana e é isso que os adultos não entendem, querer me prender dentro de uma gaiola e dar comida uma vez por dia.

Meus pais são rígidos e nunca podem saber que eu até droga já usei, meu pai me mataria e minha mãe se matava. Eles não sabem de metade das coisas "ruins" que eu faço e muito menos das coisas "boas" que faço, como ajudar a tia da limpeza a limpar o refeitório as terças durante a aula chata de geografia. Aliás, aquele professor de geografia me odeia só pode. Tiro notas boas em todas as matérias, mas na dele sempre 5.0.

O importante é que eu não perdi meu emprego e quem sabe um dia eu consiga ver o que os adultos veem de tão errado nas coisas que eu faço. Mas isso só quando eu for uma adulta, mas por enquanto vou vivendo minha vida assim mesmo, intensamente.


 
 
 

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