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Se eu olhar para trás

  • Guilherme Nascimento
  • 20 de jun. de 2016
  • 10 min de leitura

Mais uma tarde fria. Meus pensamentos andavam frios. Eu me sentia frio. Meu coração estava congelando. O pensamento das noites passadas ainda me atormentava. Sangue. Água. Sujeira. Mais uma vez meus pais brigavam enquanto a noite chegava. Ouvia minha irmã batendo a porta para poder ouvir seus pensamentos. Ficara chocada de saber que sua amiga havia morrido, apesar de não demonstrar. Ela queria se mostrar forte, fingir que não precisava de um abraço. Ela sempre fora assim, mascarava sua tristeza com uma dose de “eu estou bem. Sério.”. Emily sempre fora uma pessoa forte, ou pelo menos mostrava ser. Ela colocava sempre sua mascara de felicidade e saia por aí, enquanto escondia dentro de si a infelicidade por qualquer dor a tirasse o sono. A insônia se tornava cada vez mais forte e eu me senti tão culpado! O máximo que eu conseguia fazer era tomar um comprimido a seco e pegar um livro até finalmente cair no sono. Há dois dias que eu não durmo. Finalmente hoje eu consegui, mas depois do sonho que tive, preferi nunca ter dormido. Os três carros da policia, estacionaram em frente de casa. As sirenes ligadas e os policiais saltando dos carros com suas armas direcionadas pra casa. Eu olhava da janela. O terror começou subindo pelas paredes, finalmente tocou meus pés, e subiu por minhas pernas. Eu olhei para trás, e antes mesmo de eu pensar em pular da janela, eles me pegaram e quando me senti sufocado, eu acordei. Um sonho tão curto que durara a noite toda. É engraçado como os piores momentos da sua vida demoram em passar mais do que os minutos que você espera sua comida ficar pronta quando esquentada no microondas. Mas agora que a noite passara e mais um dia estava pronto para me derrubar, eu queria que mais uma vez a noite chegasse e logo depois eu finalmente desejaria que o dia chegasse e depois desejaria a noite mais uma vez... Eu não estava satisfeito. Eu queria a noite. A escuridão. A escuridão total. A escuridão do meu caixão. Saio da cama, o dia estava mais uma vez frio. Típico da Califórnia. Abro meu notebook e sento na cadeira. A página de notícias carrega. Carregada de notícia sobre a morte de Jeniffer. Minhas mãos travam no mouse. Meu coração se acelera e depois diminui a frequência de batimentos. Volta a bater rápido mais uma vez enquanto desço a página, vendo fotos e reportagens sobre ela. Sinto a presença de alguém atrás de mim e quando viro, Emily prega os olhos nos meus olhos e depois no meu cabelo loiro. Ela parecia cansada. Quando vejo, ela está com o olho pregado na tela do computador. Fecho o notebook tão desesperadamente que quase o quebro. Emily coloca uma mecha de seus cabelos negros atrás da orelha. Sua pele é branca como as da mamãe e tem no máximo um metro e sessenta. Seus lábios são rosas claros e seus olhos castanhos. - Você acha que eu não sei, Randy. Mas eu te conheço – ela me olha. Tenho medo de encara-la. Do que ela está falando? - O que? Eu não... – digo, gaguejando, cheio de medo. Ela respira fundo e sorri. - Quer faltar na escola de novo. A tensão dos meus ombros vai embora. - Realmente eu não estou nem um pouco a fim de ir naquele lugar – abaixo a cabeça. Olho para meu corpo. Sujo. - Eu também não quero ir – ela abaixa a cabeça – Minha vontade é me enfiar debaixo das cobertas e nunca mais sair de lá, Randy. Mas o mundo está nos esperando. Vamos, papai está esperando. - Droga! – sussurro - Cinco minutos. Estarei pronto em cinco minutos. E até enquanto eu tomava banho eu me sentia sujo. ֍ Meu pai estaciona o carro. Sem dizer nada, desço na calçada e Emily faz o mesmo. Aquela espelunca não era nem um pouco agradável. Tinha um aspecto vintage. Ou talvez apenas muito antigo. Tijolos avermelhados sustentavam o teto cheio de vigas e na frente, uma imensa porta de madeira que eu desconfiava que um dia despencasse. Como de costume, eu vou para um lado e Emily para outro. Varro o olho pela aglomeração de alunos e vejo meu grupo formando um circulo no topo da escadaria. Apesar de não serem tantos alunos, eu pelo menos não me sentia sozinho. Mas depois daquilo eu me sentia sozinho até mesmo com eles. Entrei para a escola sem dizer oi, e acho que eles perceberam. Entro para a sala e espero dez longos minutos até ouvir o sinal tocar e a multidão de alunos se dispersarem para dentro da sala, como formigas afobadas. Água. Sujeira. Sangue. O professor insuportável de biologia falava mais uma vez sobre mutações genéticas e eu já estava cansado de ouvi-lo falar daquilo. O nosso caso era de puro ódio. Eu sempre virava para o lado para conversar com Jason, mas hoje eu fiquei olhando para o professor. Imaginei a cabeça dele sendo espetada por uma adaga. O sangue escorreu. O sangue é excitante, não é, Randy? Aquela frase... Eu fiquei tenso. - Tudo bem, cara? – Jason, o cara alemão bad boy e popular da escola me olhava. Apenas assinto. Depois de ficar insuportáveis minutos ouvindo um professor mais chato que o outro dizendo coisas ainda mais chatas que eles, o sinal tocou. Aquilo era música para meus ouvidos. E quando vi todas aquelas pessoas seguindo para o refeitório, sorrindo, felizes com tudo e pulando como criancinhas, percebi que ficar olhando para a imensa janela de vidro na sala de aula, observar o movimento das ruas, carros e mais carros, professores entrando e saindo, era ainda melhor do que ter vindo para a escola. Segui para o refeitório em busca de algum lugar para sentar com meus amigos. Olho e os vejo. Jason encosta para eu sentar ao seu lado e quando os outros meninos chegam, Lucas, Wj e Dj – dois irmãos que dizem se odiar – abro meu notebook enquanto eles comem. Catchup. Sangue. Coloco as notícias referente a Jeniffer em frente a eles, para que todos conseguissem ver. - Olhem. Todos viram seu rosto para a tela. Era desespero que eu via em seus olhares. Jason relaxa as mãos e fecha a tela do notebook com força. - Randy, eu acho que aqui não é o lugar ideal pra você mostrar isso, concorda? - Talvez não seja, Jason! Mas precisamos, sim, nos preocupar com isso. - Cala a boca, Randy. Você se preocupa demais. – ele volta a comer. Catchup. Sangue. Olho para o lado e vejo minha irmã com outras amigas. Todas tensas com a morte da Jeniffer. Todas tensas com o que acontecera com ela. Todas tensas com o segredo dela. Prostituta? Minha irmã só balançava a cabeça, assentindo com sim ou não. Sentia uma tontura. Um enjoo. Chego na mesa onde ela estava. - Emily, posso falar com você? – As amigas dela me olham e cochicham algo sobre mim. Elas sorriem enrolam o cabelo no dedo. Eu sinto meu rosto corar. - Claro, Randy. E, meninas, se comportem. Parece um bando de vadias! – quem era essa Emily que eu não conhecia? Apesar de assustado, caminho com ela até o corredor dos armários. Velhos armários personalizados de acordo com que cada estudante gostava. O meu era decorado com frases de músicas que eu gostava. Era patético agora. Minha irmã fita seu armário. O que antes era de várias cores, com várias fotos e objetos que marcavam a amizade dela com a Jeniffer, hoje era apenas um armário cinza com puxador preto. - Vou ligar para minha mãe. Eu vou embora. – aviso. - Está acontecendo alguma coisa? – ela pergunta, e coloca a mão no meu ombro. - Nada de mais. Só estou passando mal. Não estou me sentindo bem – minha voz era fraca e sem emoção. Ela me olha demonstrando preocupação. - Sabe que pode contar comigo sempre, não sabe? - Sei. Ela me abraça e uma lágrima escorre. COMO EU TIVE CORAGEM? Eu queria gritar com o mundo. Eu sentia raiva por ser quem eu sou. Ela liga para minha mãe de seu celular e me entrega o aparelho. - Mãe, é o Randy. Liga aqui na escola e autoriza minha saída. Não estou me sentindo legal. Pode fazer isso? – desligo o telefone. - Obrigado, Emy. Tchau. – ela olha e sorri. Um sorriso preocupado. Ela estava mais triste do que eu pensava. Tudo culpa minha... Entro na sala do diretor. - Que professor te mandou para cá e o que você estava fazendo, Randy? – Sr. Johnson pergunta. Só porque eu ia para a diretora todos os dias do ano passado, ele achava que todas minhas visitas ali envolviam eu em alguma discussão. - Não fiz nada, Morris – ele sorri. Todas minhas idas para aquela sala me serviram de alguma coisa, afinal: ser amigo do diretor. – Minha mãe disse que iria ligar aqui para liberar minha saída. Não estou bem. Bom seria se o senhor me liberasse, né? – eu sorrio, sem ter certeza de sua resposta. Ele sorri de volta. - Mas não seria nada bom se eu te liberasse e o conselho descobrisse que eu estou liberando alunos sem a autorização dos pais. O telefone toca. Ele atende e diz “Okay”. - Sua mãe. Pode ir embora, Randy. Despeço-me e deixo a escola. Caminho a passos lentos pela rua. As árvores projetam sombras sobre meu corpo e desejei que elas me engolissem. Vejo um fino sol surgindo entre as nuvens, e desejei que ele me pulverizasse. Vi uma farmácia cheia de comprimidos... Não. Não. Não. Eu não conseguia tirar toda aquela cena da minha cabeça. Parecia que quanto mais eu pensava mais dor eu sentia por dentro, me apertando, me esmagando. A desconfiança se escondeu por trás da minha costela. Eu sentia que todos já sabiam, eu apenas fingia que nada havia acontecido. Depois do susto que Emily havia me dado logo de manhã, eu me sentia perseguido e as imagens passavam assombrando minha mente. Eu devo contar, mas sei que se eu contar, eles vão me levar. Eu vou queimar no inferno por causa disso. Eu sinto. Chego em casa e atravesso a cozinha. Minha mãe está lá. Ela parece abatida demais. Toda aquela briga com papai a cansava. Ela trabalha para uma empresa de advocacia. Depois de seu chefe, ela era a pessoa mais importante daquele lugar. Era ela quem pegava os casos grandes e os vencia. Ela que faturava os milhões que sustentava aquela empresa e aquela família. Eu sorri para ela. E pensei em contar tudo. Mas seria apenas mais uma preocupação para ela e decide apenas subir, deitar e tentar esquecer pelo menos por pouco tempo tudo aquilo. Engulo dois remédios para conseguir dormir. Tranco a porta e vejo a hora. Coloco o celular ao lado da minha cama e me deito. Durmo. Sem sonhos. Sem nada.

Acordo. Já está noite e minha cabeça parece estar mais leve. Pego meu celular para ver a hora, mas ele já estava ligado, como se a

lguém tivesse mexido nele, apesar de possuir uma senha. Alguém sabia dela? Na tela, uma foto minha dormindo naquele mesmo momento havia sido tirada. A minha porta estava trancada e minha janela estava quebrada. Na foto, uma mensagem: Estou observando você. Depois de todo aquele sufoco, percebo que já esta na hora de ir para escola, arrumo minhas coisas, tomo um copo de suco rapidamente e vou a caminho. Quando chego, vejo Jason, ele parecia estar um pouco nervoso, decido ir para o banheiro, e quando me dou conta ele já estava lá. - Você tem que entender de uma vez por todas, Randy, ninguém vai descobrir que foi a gente que... matou aquela puta se nenhum de nós abrirmos a boca – Jason sussurra, estressado. Estamos no banheiro. Ele me empurra na parede e cospe todas as palavras olhando diretamente para mim. - Se você fosse minimamente inteligente, Jason, saberia que existe a perícia. E se eles acharem qualquer pista que fomos nós, estamos ferrados, entendeu? Ele fecha os olhos e respira fundo, juntando dentro de si segurança e paciência para não me socar ali mesmo. - Fica de bico fechado que a gente se safa – ele larga o colarinho da minha camisa e sai do banheiro. Ando em direção ao lavatório. Sinto culpa. Sinto culpa. Sou culpado! Abro a torneira e lavo o rosto, a água esfria minha pele febril. Saio do banheiro depois de ficar mais calmo, olho para os lados e parece que as pessoas sabem que sou culpado. Elas me olham e me culpam! Se eu olhar pra trás estou perdido! - Hey, Randy! – ouço uma voz atrás de mim. Viro-me e Lucas, um garoto que também havia participado do estupro de Jeniffer, de cabelos azulados, me chama. - Ahn, oi – digo. - Vai rolar um encontro da turma lá em casa amanhã à noite, passa lá, vai ser legal. – ele pede, colocando a mão no bolso da calça jeans. - Claro, vou lá, sim. – respondo, nervoso em perceber o quanto ele estava calmo e agindo como se nada tivesse acontecido. - Relaxa um pouco, bro! Nada vai acontecer. - Eu sei, eu só... Tô um pouco cansado. - Randy, posso pedir uma coisa? – ele diz depois de um longo tempo de silêncio. - Claro, cara! - Eu tô meio sem tempo, e nesse encontro vai rolar umas paradas – ele me olha desconfiado – Uns lances pra gente se soltar e ficar de boa – um sorriso torto e desconfiado nasce em seus lábios – Não vou conseguir pegar com os caras. Você pode ir pra mim? Te dou o endereço certinho e... você vai lá. - Você sabe que eu não me envolvo com isso – eu já estava envolvido em coisas erradas demais. Não precisava de mais essa para acabar comigo de uma vez. - Você não vai se envolver com nada, cara. Você só vai buscar uma encomenda pra galera e nada mais. Olho para ele, seus olhos relampejando sensatez e astucia. - Não sei se devo. – olho para meus sapatos pretos. Ele me olha, dessa vez sem um sorriso e os olhos semicerrados. - Você é um fraco, sabia, Randy? Vai continuar sendo um coitado até quando? Tenho desgosto de você! – ele cospe as palavras com rispidez. Eu engulo um seco e olho o papel com anotações do endereço em sua mão. Respiro fundo, e agindo pela emoção, arranco o papel dele. - Me dá aqui essa merda – ele me olha, e posso ver um tom brincalhão em seus lábios. - Eu agradeço, querido... amigo – diz. - O que eu faço depois de pegar... os negócios? - O que você faz? Leva pra sua casa e depois leva pra gente amanhã. Encaramo-nos. - Já deu minha hora, Randy – ele avisa. Bate nos meus ombros com as mãos – tenho aula agora. Nos falamos mais tarde. Dou um sorriso forçado e ele vira as costas indo embora. - Não me decepcione! – ele grita, sem me olhar. E a única coisa que posso fazer é o mesmo. Viro de costas e vou embora, mas foi nesse momento que vi três policiais caminharem na minha direção. Tinham nos descoberto.


 
 
 

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