Gabriel e Laura
- Gabriel Freire
- 4 de set. de 2016
- 8 min de leitura
Hoje vou contar para vocês um pouco sobre minha história, mas quem sou eu? Sou alguém que já passou por bastante coisa nessa vida, alguém que já sofreu muito e de diversas formas, entretanto tudo bem, vamos a história desse alguém, a minha história. Sou Gabriel, tenho 17 anos, moro em uma quebrada de Osasco, sou afro-descendente, venho de uma família humilde, meus pais são guerreiros e sempre trabalharam muito, nunca tive boas condições, mas graças a Deus nunca passei fome, tenho um irmão mais novo, meu pivete que vai comigo para todo canto e recentemente recebi uma notícia que deixou a todos muito felizes e inclusive eu, nesse sábado saiu a divulgação das pessoas que passaram na USP e adivinhem? Sim, eu estava entre essas pessoas e o melhor de tudo era ter conseguido passar em primeiro lugar, após essa notícia eu sabia que minha vida iria mudar e começaria uma etapa difícil, só não imaginava que tanto... Agora que vocês já conhecem um pouco desse alguém, vamos para a história e ela começa no primeiro dia de aula na USP. O recebimento dos calouros começava as 7:30, levantei as 5 horas, peguei o dinheiro que tinha conseguido nos bicos que fiz por ai, um corre de cá e outro de lá, me arrumei e fui para o ponto esperar o ônibus, assim que entrei estava típico de toda manhã, lotado e sem lugar para sentar, mas fui para o fundo e assim que cheguei a sorte bateu em minha porta, um cara ia descer no próximo ponto e me ofereceu o lugar, sentei e dormi um pouco. Assim que acordei, vi que estava perto do meu ponto e perguntei a moça que estava ao meu lado a hora e ela me falou: - São 7:10 filho. Agradeci e ela voltou a me perguntar: - Está indo aonde? - Estou indo para faculdade" - Sério? Nossa, que benção, você parece ser tão novinho, mas vai fazer o que? - Sério kk, vou fazer engenharia mecatrônica, ali na USP. - Ai, que Deus abençoe muito e que você se torne um grande homem nessa vida! Quando ela me falou isso, ganhei o dia porque, sério, isso foi bom demais e à respondi: - Muito obrigado, moça. Que Deus te ouça! E finalmente chegou o meu ponto. Desci do ônibus e fui andando até lá e quando me deparei com aquele portão, comecei a soar frio, um sorriso enorme saia de minha boca e junto à mim, chegou um grupo de moleques, uns mais velhos e outros da mesma idade e teve um que falou em voz alta: - E ae, neguin. Esqueceu o rumo de casa é? Hahahahaha, toca seu rumo favela. Nem dei bola, não queria arrumar confusão no primeiro dia de aula, apenas entrei e uma senhora bem simpática me recepcionou: - Oi, meu querido. Vou te acompanhar até a sua sala. Você pode me informar o seu nome e o curso? Eu, todo sem jeito, respondi: - Oi, meu nome é Gabriel... Gabriel Freire da Costa e o curso que vou fazer é... Engenharia Mecatrônica. - Você está nervoso, não é? Kk, relaxa que é normal isso acontecer e nossa, você passou em primeiro lugar. - Sim kk. - Vamos lá, me acompanhe. Ela me levou até a minha sala e assim que entrei, todos me olharam com um olhar estranho, menos uma pessoa que por acaso, era uma menina linda. Entrei na sala de cabeça baixa e o professor me parou e disse: - E ai, qual o seu nome, menino? - Gabriel. - Ah, beleza. Senta ali. E me colocou bem do lado da menina bonita, logo começou a aula. O professor se apresentou e pediu que todos fizessem o mesmo e ele me falou: - Gabriel, começa você. Fui na frente da sala e comecei a me apresentar: - Bom... Me chamo Gabriel, tenho 17 anos, moro em Osasco, tenho um irmão, meu pivete kk... E me interromperam falando: - Ah macaco, sai daí kkkkkkkkk. O professor falou: - Qual o seu nome em? - Antônio, por que? - Mais respeito com o seu colega, porque se ele está aqui junto com nós, ele fez por merecer e não importa o tom de pele dele, ele é como qualquer um aqui! Se eu ouvir mais uma gracinha, você vai ter uma conversinha bem séria com a diretora! - Meu pai me coloca em outra faculdade, tem problema nenhum kkkkk. - Não quero saber. Todos temos defeitos e se ele te ofendesse de gordo ou burro? - Burro é ele que é preto kkkkkk. - Tão burro que ele foi o primeiro da lista. E naquele momento, a sala ficou calada por um tempinho, confesso para vocês que minha vontade era quebrar aquele bolota, mas me controlei e apenas sentei. O professor falou: - É um prazer, Gabriel. Seja bem vindo. - Valeu k. Após todos se apresentarem, deu a hora de ir para o intervalo e esse tal de Antônio junto a um bondezinho, saíram me ofendendo e jogando coisas em mim, eu estava me controlando até que chegou aquela menina bonita. O nome dela era Laura e falou para aqueles moleques: - Deixem ele em paz, larguem de serem otários! O Antônio respondeu: - Ahh, a namoradinha veio defender o macaco. Não se mete no meio, garota! Se não, vou te quebrar. Na mesma hora que ele falou isso, virei e respondi: - Se você encostar um dedo nela bolota, eu te arrebento. Quer tirar uma com a minha cara, beleza, tranquilo, mas se for mexer com ela o bagulho vai ficar louco para o seu lado, ta entendendo seu filho da puta?! E todos começaram a olhar para mim. O bolota ficou sem reação e falou: - Na saída, os dois... Os dois estão fodidos. Eu o respondi: - Por que não cem agora em? Tem que ser sujeito homem para bater de frente, seu bosta! Ai a inspetora chegou e mandou cada um para um canto. Deitei naquele jardim lindo e uma pessoa mais linda ainda veio e sentou ao meu lado e adivinhem? Sim, era a Laura: - É Gabriel, né? - Sim kk. - Posso me sentar ao seu lado? - Claro. - Posso te fazer uma pergunta? - Pode sim. - Por que você fez aquilo? Ameaçou aquele ridículo? - Eu poderia te perguntar a mesma coisa, assim que você veio me defender kkkk. - Kkkkkkk, é verdade. - É que um bosta desse se acha por causa do pai, mimadinho e não é merda nenhuma, ta ligado. Ai ele vem meter o louco e dizer que ia te bater, ai deu no que deu kk. - Ele me da nojo... Mas obrigada. - Pelo que? Kk. - Por me defender. - Eu que te agradeço. - Rs... Vamos para aula? - Sim, vamos. Ela me ajudou a levantar e segurou minha mão, vou dizer que fiquei muito sem jeito quando isso aconteceu e todos ficaram olhando para mim com aquela cara de nojo, mas assim que chegamos na sala, a aula era do mesmo professor. Ele falou: - Depois de todos se apresentarem, vamos a matéria e hoje vamos ter o conhecimento sobre eletricidade. E começou a passar slides sobre o que é eletricidade, os riscos, vantagens. Até que chegou uma parte que ele perguntou: - Vamos lá. Vou perguntar à vocês. Resistência, Tensão e Corrente são dadas em quais unidades de medida? Bem simples. Apenas para aquecermos. Eu levantei a mão e o bolota falou: - Como é que vamos saber? Kkkkkk. O professor não deu nem bola e falou: - Gabriel, diga. - Resistência - Ohm, Tensão - Volt e Corrente - Ampere. - Haha, não é atoa que foi o primeiro, está certo, guri. Ai o bolota falou: - Olha só, o macaco fez o dever de casa kkkkkk. O professor: - Antônio! Mais uma gracinha e você vai para a direção. E tudo bem. A hora foi passando e do nada sinto uma bolinha me acertando, pego ela e estava escrito: "Vai levar um pau na hora da saída macaco kkkkk.", fiquei quieto e apenas joguei a bolinha no lixo. O professor falou: - Bom, agora quero que formem duplas. O bolota falou: - Kkkkkkkk, o macaco vai ficar sozinho. Apenas fiquei olhando para frente até que senti alguém me cutucando. Era a Laura, que me disse: - Posso sentar com você? - Claro. Encosta ai. O professor voltou a fazer outra pergunta: _ Alguém sabe me explicar os conceitos de tensão e corrente elétrica? Levantei a mão e ele falou: - Vamos lá, Gabriel. - Tensão é a força que impulsiona os elétrons e corrente é o movimento ordenado de elétrons. Existe tensão sem corrente, mas não corrente sem tensão. E o bolota voltou a falar: - Chega de tentar ser Einstein seu imundo. O professor falou: - Está certo, Gabriel. Bom, agora uma bateria de exercícios e quem terminar, vou dar o tempo que sobrar para conhecer melhor a sua dupla. Bom, eu e Laura terminamos os exercícios rápido, estavam fáceis. Começamos a conversar e ela me perguntou: - O que você gosta de fazer? - Eu? Ah, amo jogar bola. Lutar boxe também. Curto muito meu pivete kk, ele é que nem cola, vai comigo para todo canto. - Ai que bonitinho kk. - É kkkk. E você? - Ah, eu gosto de ler. Assistir séries e até sair, mas meu pai não deixa... - Por que? - Sou filha única. A princesinha dele. Ele não quer me ver saindo por ai. - Entendi. - E seus pais? - Bom, meus pais trabalham muito. Sempre deram um ótimo exemplo para mim, amo demais os meus coroas. - Devem ser bem legais kk. - São sim kk. E os seus pais? - Bom, meu pai é engenheiro mecatrônico. Minha mãe não trabalha e sempre me deram tudo, sempre me mimaram kk. - Ah kk, ai sim. - Luta boxe mesmo? - Sim, luto sim. E o professor interrompeu falando: - Galera, foi um prazer conhecer vocês. Estão dispensados e até amanhã. Arrumei minhas coisas e só vejo o bolota falando: - Hoje esse macaco apanha kkkkk. Fechei a cara na mesma hora. E Laura me falou: - Af, relaxa. Não vou deixar ele bater em você. Meu pai vai vir me buscar, quer uma carona? - Não quero atrapalhar kk e relaxa, eu me viro. Fico com você até o seu pai chegar. - Tudo bem rs, vamos. Quando saímos da USP, o bolota gritou: - Macaco! Espera ai. Você não vai escapar de mim não! Eu olhei para o lado e falei: - O que você quer caralho?! - Ta bravinho? Kkkkkk. Eu vou te quebrar e a sua namoradinha também. - Nela você não encosta um dedo! - Vem você então kkkkk. - Demoro, cuzão. Se é isso que você quer. Laura falou: - Gabriel, não vale a pena. - Relaxa. Espera seu pai. Não vou deixar ele encostar em você. Ele: - Hahahahahaha, vai tomar um pau. Bom, dei apenas uma sequência de Jeby, gancho, cruzado e direto. O bolota caiu no chão sangrando. Quando dei as costas, ele falou: - Ahhhhh, VOCÊ TA FUDIDO SEU MACACO! Segurem ele. E vieram 3 me segurar. O bolota levantou e começou a me bater, bater, bater... Só lembro de ouvir a Laura gritando: - PARA!! VOCÊ VAI MATAR ELE, CHEGA DISSO SEU COVARDE! SOLTEM ELE!! E o bolota não parava. Me encheu de murro até que chegou aquele professor. Mandou todos irem embora e eu cai no chão inconsciente. Laura estava chorando muito e o pai dela chegou. Ela: - Pai, por favor, leva ele pro hospital. Pelo amor de Deus! - Ele quem, filha? - Pai, por favor. Depois te explico tudo, só leva ele pro hospital. Ele me pegou no colo, me colocou no carro e me levou ao hospital. Laura não parava um minuto de chorar. Quando chegamos no hospital, me levaram as pressas. E a enfermeira, falou: - Não estou ouvindo o coração dele... RÁPIDO, GENTE! ELE VAI MORRER SE NÃO FIZERMOS NADA! E lá começou 5 horas naquela tensão toda de hospital. Até que chegou uma enfermeira e falou ao pai de Laura: - Senhor, pode me acompanhar? Preciso falar com você em particular. - Posso sim. E ele acompanhou a enfermeira até o canto do hospital. Após a conversa, ele voltou sem reação em seu rosto. E Laura lhe perguntou: - Pai, o que ela falou? O Gabriel está bem? Por favor, pai. Me responde, diz que ele está bem! E a resposta do pai dela, foi a coisa mais chocante e espantosa que aquela menina ouviu: - Ele... Ele... - Pai, por favor! - O Gabriel não aguentou e faleceu. Filha, desculpa. E essa foi a história de um menino que perdeu a sua vida pelo mero motivo de ser negro. Um jovem que tinha tudo para ser uma grande pessoa nessa vida, um garoto de coração bom, uma pessoa honesta, batalhador, carinhoso e entre demais qualidades, mas pelo mísero motivo de ser nego, não pode realizar os seus sonhos.
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